Iracema

Nasci com a síndrome Klippel-Trenaunay. O lado esquerdo do meu corpo é praticamente ‘um bordado só’! Meus pais nunca se preocuparam com as minhas manchas, acreditavam ser apenas marcas de nascença, e as erisipelas¹ curavam-se, não me recordo como. Minha mãe me levava à uma rezadeira muito querida, para que realizasse a reza para erisipela. E foi assim por anos. Nunca havia ido à um médico por conta disso.

Eu ia à praia e não me importava com uma parte do meu corpo sendo branca e a outra avermelhada. As pessoas ao redor olhavam porque era algo diferente, apenas isso… Certa vez, os doutores de um hospital desejaram que eu me submetesse a uma junta médica para estudo, mas eu não quis.

Por minha perna direita ser 6 centímetros mais comprida, decidi fazer o ‘sapato de aleijão’, recomendado pelo ortopedista. No entanto, o sapato pesava tanto que o joguei no lixo e disse a mim mesma: ‘Eu não sou aleijada!’

Naquela ocasião, o médico me disse que com 45 anos eu estaria em uma cadeira de rodas. Não dei importância e, com o tempo, aprendi a me posicionar no caminhar. Apesar das manchas, muitas vezes, sangrarem e do meu joelho ser mais grosso e meio tortinho, eu usava saias, shorts, sapatos de salto alto… Eu era elegante!

As crises se intensificaram depois dos 43 anos. Infecção, ferida aberta e dores dilacerantes eram sempre presentes. Foi então que recebi o diagnóstico da síndrome de KT e comecei a tratar, muitas vezes com procedimentos extremamente dolorosos.

Fiquei em crise durante o ano de 1998, e precisei de mais 24 meses para me recuperar. Por conta disso, consegui minha aposentadoria, mas sem direto integral, já que o INSS não considerou a síndrome como invalidez. Perdi a conta de quantas vezes fiquei internada. Consultei muitos profissionais de saúde, fiz vários exames, tomei muitos remédios e os médicos diziam que, pela idade, as crises seriam permanentes.

Nunca me senti diferente. Casei-me duas vezes, tenho duas filhas de barriga, três filhos de coração e nove netos. Sou Assistente Social e tenho uma fundação Espírita que atende 15 comunidades, além do público específico que nos procura em busca de auxílio e pessoas que vivem nas ruas.

Agora, lido com uma grande dificuldade, pois perdi as forças em minhas pernas. Não consigo andar sem a ajuda de alguém a me amparar. Vou ao mercado porque posso me apoiar no carrinho de compras. Mas Deus me deu a benção do carro e de possuir carteira de habilitação, então vou para todo canto! Oro muito na minha perna, pois não posso ficar de cama, tenho muito trabalho para realizar diariamente!

Almejo que todos os nossos irmãozinhos sintam a nossa síndrome rara como benção de Deus para evoluirmos espiritualmente, cada vez mais. Somos todos muito abençoados! Tenham força e fé, que um dia todos seremos anjos. É só valorizar a vida que Deus te deu, prosseguir vencendo as barreiras e superando os obstáculos. Não tenham medo de viver e amar!”

Iracema-CE, nascida em 1945

.¹Erisipela: Infecção na pele.

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